Mostra Competitiva Oficial - Programa Juventude
"Juventude"? Talvez nossa escolha por esse título seja mesmo capciosa, mas a verdade é que a primeira "temática" que nos saltou aos olhos nesse processo de seleção foi a da existência de personagens jovens, adolescentes ou entrando na vida adulta, à volta com seus problemas típicos. Algo mais do que natural, já que alguns filmes dos filmes foram assistidos quase numa sequência – O último dia, Sofá verde, Por uma noite apenas e Romance Edmottês. Tema que agora parece comum no cinema universitário, mas que também prolifera interessantes curtas-metragens no Brasil em geral e até em longas, agora chegando aos cinemas de shopping. Fato interessante e feliz, já que superamos a época em que o jovem se mostrou desinteressante aos realizadores, tendo restado algumas honrosas exceções como Houve uma vez dois verões (2002), de Jorge Furtado, e O Diário Aberto de R. (2005), de Caetano Gotardo. Agora que a produção é tomada, e cria-se um aparente interesse temático, obviamente também surgem as obras que mais crêem numa certa "garantia" a priori de seu interesse social e "qualidade".
É justamente neste contexto que o curitibano O Último dia se destaca e se torna exemplar na produção universitária hoje. Pois, se por um lado é cheio de problemas técnicos (edição, som, fotografia) e principalmente em seus primeiros minutos nos questionamos de sua relevância como um todo, a partir do momento em que os atores/personagens se soltam e a decupagem se amansa, o filme consegue imprimir a sensação de um simples registro dos momentos daqueles jovens em suas preciosas particularidades e idiossincrasias. O mundo do agora, do momento, mais importante que todo o exterior; os dias anteriores e os que poderão vir num futuro, amanhã ou daqui a muito tempo, quando a vida adulta e as responsabilidades chegarem. Viver impulsivamente, como se a juventude fosse a única etapa da vida – e se todos sabemos que não é, também sabemos que provavelmente é a mais marcante. É esta aparente ausência de regras sociais, quase como num mundo selvagem, que justifica e define os filmes desta sessão.
A cerveja que une os personagens em O Último dia – e se torna o mote ideal para a juventude de hoje se encontrar, conversar, viver – é a mesma que motiva os personagens de Sofá verde. Aqui, o filme é o trajeto, silencioso, controlado (enquadramentos) e simplesmente estranho – personagens que carregam um sofá?, talvez também nos lembre um filme da juventude de Roman Polanski. A Porto Alegre austera e que enclausura – pois parece não haver para onde fugir –, é a mesma presente em tantos outros filmes universitários hoje daquela região. O otimismo e a jovialidade se impõe na singeleza da satisfação dos personagens em seu desenlace.
Outro trabalho de Porto Alegre, Por uma noite apenas se destaca por seu peculiar – pois eficiente e um tanto incomum – tratamento no diálogo entre um adolescente em torno dos seus 16 anos e uma mulher mais velha – mais vivida, experiente, experimentada. O jogo que se estabelece entre eles é notável, por seus altos teores de sensualidade e inocência, simultaneamente. O seu desfecho, que de maneira bem sucedida consegue inserir uma nova problemática em sua narrativa, ainda assim, não é o seu maior mérito – sendo a capacidade de representar a inocência e a malícia do universo adolescente talvez o ponto de maior destaque. Aqui estamos falando de uma faixa etária diferente, única nesta programação, dos demais filmes. Um período ainda que os jovens mais tateiam uma relação com seus interesses sexuais e amorosos, ainda agem com uma certa desconfiança medrosa e sem se abrir, expor e sofrer por consequência de relacionamentos traumáticos. O oposto do curitibano Romance Edmottês, que nos apresenta uma preciosa investida num "desvio de relacionamento" – que poderíamos chamar de "traição" num namoro, mas tamanha é a leveza com que o assunto é tratado, por seus personagens, inclusive, que não conseguimos deixar de nos encantar com os dilemas do seu protagonista. As dúvidas não são morais ou de cunhos éticos, mas sim de pontos primordiais, como "gosto de duas garotas, o que devo fazer?". É perfeitamente possível gostar simultaneamente de mais de uma pessoa, mas infelizmente não aprendemos a lidar com isso em nossa sociedade, talvez seja possível concluir. Enquanto o personagem não se decide, aproveita os momentos íntimos com suas duas garotas, livre e alegremente, mesmo que com uma ponta de dúvida, a deixar o destino decidir quais rumos tomar. Seu grande mérito como filme é não tratar o assunto com pesar ou lamentação e ao mesmo tempo demonstrar sua riqueza na exploração íntima deste relacionamento com três pontas. Já o carioca Sobe, Sofia busca este outro viés para falar das agruruas juvenis hoje. À protagonista sofrida e cheia de problemas existenciais parece faltar a leveza que caracteriza os personagens dos curtas anteriores. E para tratar deste conflito (íntimo, pessoal) é lançado mão de uma beleza e esplendor técnico em muito contrastante com os demais filmes do programa e também do próprio contexto narrativo – estamos no Rio de Janeiro, mas o céu cinza e o cachecol vermelho dão o tom.
Com Bomba! entramos em questões aparentemente mais "sérias" – jovens imergindo e enfrentando problemas sociais e políticos. Mas novamente, a marca da juventude se faz presente na irreverência com que tais questões são tratadas. Afinal, o tom de "arquivo" que o filme assume (é realmente possível crer que tais imagens foram captadas nos idos em 1968; fetiche ou malícia?) pode nos remeter tanto à gente do cinema marginal brasileiro quanto à Godard, eternos jovens em espírito e na experimentação. Já a impulsividade e o frenesi tomam conta do inquisidor E tu, quem és?, prova maior do seu frescor jovial por conta da incrível energia em filmar (da montagem, da narrativa) e do incansável e misterioso personagem, que não sabemos ao certo se foge ou busca algo específico – o constante dilema de quem precisa(rá) tomar decisões. O filme faz um interessante par com Cachorro velho, que vai em busca de outro ídolo da juventude moderna, Charles Bukowski. Demonstrando grande domínio da técnica cinematográfica, com a ótima fotografia em preto e branco e a sua precisa montagem como cinema de ação, exibe seu deslumbre pelo aparato do cinema (assim como, de uma certa maneira, Sofá verde também exibe seu fascínio pela película), capaz de fazer com que uma simples esquete – o velho, que ridicularizado por um grupo de jovens, consegue lhes "pregar uma peça" – seja mais interessante do que sua história expremível em palavras, mesmo que, no fim, tudo (a violência dos jovens, a violência devolvida do velho, a violência da multidão burra) não passe de simples motivação para o filme acontecer, impecável e direto. Já com É ela..., além de termos esse fascínio pelo cinema – onde tudo exprimível em imagens pode se tornar interessante a alguém (realizador ou espectador), observamos essa ausência de motivação. A motivação é ela, justamente, mas como o protagonista se comporta e é levado por seu fascínio amoroso, nos faz questionar o que impulsiona estes jovens realizadores. A fascinação pela imagem, pela beleza..?
De um lado, temos a incessante busca pelo naturalismo (atores, diálogos) em O Último dia, realizado com um aparente desleixo; de outro o esplendor técnico de filmes como Sobe, Sofia, Cachorro velho e É ela... Em todos eles, além da temática um tanto comum envolvendo personagens jovens (ou se comportando tal quais), temos a experimentação de diferentes suportes, recursos e quaisquer alternativas possíveis a um realizador em processo de aprendizado. No fim, nada mais que a exposição de realizadores universitários, em busca de como produzir suas obras e exprimir suas angústias e ambições.
Alexandre Rafael Garcia |